Leia mais: Longe do Pai

Uma Experiência Inesquecível

O sol entrou alegremente pela janela. 

Lá fora podia-se ouvir o mugido do gado e o balir das ovelhas. Calebe sentou-se na cama estirando os braços e soltando um gostoso bocejo, acordando todo o corpo. Saiu da cama e foi até a janela. Respirou fundo o ar gostoso e fresco da manhã. 

O sol banhava as campinas ao longe. Ele amava aquele cenário. Crescera naquele ambiente bucólico e aprendera a amar essa vida simples e saudável. 

O cheiro gostoso de pão recém assado, vindo da cozinha, fê-lo acordar de seus devaneios. Numa fazenda há muito que fazer! 

Dirigiu-se à cama do seu irmão. Este dormia gostosamente. Calebe puxou-lhe as cobertas, saudando-o com um gostoso bom dia. Zarede procurou-as para cobrir-se novamente, mas Calebe puxou-o pelo braço fazendo-o sentar-se. Zarede coçou os olhos e com a voz arrastada e sonolenta perguntou: 

_ Já amanheceu? Parece que me deitei a pouco!? 

_ Levanta seu preguiçoso! O pão de mamãe já está pronto e aposto que a mesa já está posta. Você tem que tirar leite da Malhada para alimentar o bezerrinho órfão e temos que ajudar Simão a malhar o trigo. Vamos, se apresse. Deixe de preguiça! 

O trabalho na fazenda, desde a infância, fizera com que os dois jovens crescessem fortes e saudáveis com bíceps bem salientes e músculos bem torneados. O trabalho com enxadas e arados, o cuidado dos animais, tendo que dominá-los quando necessário, fê-los bem diferentes dos rapazes da cidade. 

Calebe, o mais velho, era alto e bronzeado. Gostava das atividades na fazenda, principalmente de cuidar dos animais. Seu maior prazer era domar os cavalos. Sentia uma incontida alegria ao ver que um animal chucro e teimoso, tornava-se dócil em suas mãos. Ele realmente era habilidoso neste trabalho. Era também muito responsável, zeloso ao extremo, não descansando enquanto seu trabalho não estivesse concluído. E isso o fazia ser muito exigente com os empregados da fazenda também. 

Zarede, por sua vez, era mais tranquilo e precisava ser constantemente vigiado, pois nunca conseguia concluir suas responsabilidades no tempo requerido. Gostava de ir até o alto da colina e deitar-se sobre a grama verde e macia e cochilar. Era um sonhador e fazia grandes planos para a sua vida. Não se afinava com o trabalho da fazenda e gostava de imaginar-se como um grande homem de negócios numa grande cidade. Sonhava com o dia em que poderia requerer a sua parte na herança e ir embora fazendo sua vida fora dali. É lógico que ninguém sabia de seus planos, exceto seu cãozinho, que por certo não contaria nada a ninguém. 

Mamãe colocara o pão fresco sobre a mesa. Uma grande vasilha de coalhada estava no centro e uma cesta de frutas arranjada com bom gosto enfeitava a mesa do café da manhã. 

Calebe chegou na cozinha e deu um gostoso beijo de bom dia em sua mãe. Ele a amava profundamente. Sonhava em ter uma esposa como ela: carinhosa, meiga, batalhadora, organizada, cuidava de tudo com muito amor, era muito sábia e, além de tudo, uma excelente cozinheira. Como ele apreciava o cheiro gostoso de seu pão e o ensopado gostoso que preparava com trigo e leite! Ele assentou-se, no exato momento que seu pai entrava em casa. Este havia saído para dar algumas ordens aos empregados, antes de tomar o desjejum. 

Calebe levantou-se e deu-lhe um apertado abraço de bom dia. Admirava seu pai. Ele era um ótimo administrador. Era filho único. Sua mãe falecera quando lhe dera à luz e havia sido criado por uma ama, empregada da família, mas sob os olhos atentos do pai, pois era seu único herdeiro. 

O avô não se casara outra vez, pois dizia que jamais encontraria esposa como a que tivera. Mesmo sem nunca conhecer a mãe, o pai de Calebe e Zarede, aprendera a amá-la e respeitar a sua memória. Queria que os filhos também tivessem o devido respeito com a mãe que cuidara deles e os amara desde que foram concebidos. Nenhuma palavra de desafeto era permitido ser pronunciada em direção a ela. 

Calebe ouvira tantas vezes, enquanto seu avô era vivo, do orgulho que ele tinha pelo filho Jacó – o pai de Calebe. Queria que seu pai sentisse orgulho por ele também e se esforçaria para isso. 

Jacó era, também, um homem muito sábio e bom. Os empregados o amavam e o respeitavam e ele tratava a todos com dignidade. Eram como uma grande família. Ele sabia, também, o quanto o pai confiava nele e o quanto esperava dele e de seu irmão também. 

_ Onde está Zarede? – o pai pergunta. 

_ Deixei-o sentado na cama esfregando os olhos e bocejando. – respondeu Calebe. 

_ Será que ele nunca vai crescer? Vou chamá-lo. 

_ Não, querida. Deixe-o ter responsabilidade. Já está passando o tempo de adquiri-la. 

_ Olá, pessoal! Como vão todos? (Zarede entra, dá um tapinha no ombro do pai, um beijo na mãe e senta-se em seu lugar.) Humm! Que cheirinho delicioso! Mãe, você faz o melhor pão do mundo! Quando me casar, minha esposa terá que fazer um estágio com você. 

_ Obrigada, filho! 

O pai levanta as mãos e agradece a Deus pela noite e pelo alimento que está sobre a mesa, pede a benção do céu sobre a sua família e então todos passam a comer. 

Um alegre conversar toma conta do ambiente e os compromissos são relembrados. O pai terá que dirigir-se à cidade e prontamente Zarede se oferece para acompanhá-lo. Não há nada mais prazeroso para ele que ir até a cidade, ver muitas pessoas, o movimento do mercado, as ruas cheias de mercadores, muitas moças bonitas e a reunião dos rapazes na praça jogando “sorte” (um jogo com pedrinhas de um mesmo tamanho que consistia em adivinhar quantas o companheiro escondia na mão; os que erravam saíam; o ganhador levava a soma apostada). Sentia-se outra pessoa na cidade, era como se um outro Zarede surgisse. Com a perspectiva da ida à cidade, se desincumbiu com prazer e rapidez das suas atividades naquela manhã. Como Calebe não apreciasse as idas à cidade, era, na maioria das vezes ele, quem acompanhava o pai. 

_ Senhor Calebe, meu pai pediu ajuda, porque uma matilha de lobos está rondando o rebanho. 

Era Josué, o filho de um dos pastores. Ele ajudava o pai no ofício de cuidar das ovelhas. Chegara ofegante e nervoso. Da última vez que os lobos se aproximaram, os pastores não conseguiram contê-los e eles perderam um bocado de ovelhas. Dessa vez pediram ajuda.8 9 

Os lobos são animais ferozes. Vivem em bandos e caçam em bandos também, o que lhes dá mais rapidez de ação e ótimos resultados. São extremamente ágeis e não desistem facilmente. Não se intimidam muito com o homem, apesar de respeitá-lo, quando este está devidamente preparado para enfrentá-lo. 

Calebe reuniu alguns empregados mais experientes da fazenda e dirigiram-se até onde estavam os pastores e o rebanho. Ao chegarem perceberam imediatamente as dificuldades dos pastores. Os lobos eram muitos e os pastores não conseguiam afugentá-los. Pareciam mais ferozes que o normal. Calebe disparou na frente dos homens com seu cavalo, tomou sua funda e girou-a no ar. A primeira pedra foi certeira; seus homens fizeram o mesmo, mas parecia que quanto mais atiravam, mais os lobos atacavam. 

O rebanho dispersou, devido a confusão, o que tornou mais difícil o trabalho de conter os lobos. O rapaz percebeu que precisavam organizar-se para terem mais êxito. 

Chamou Silas, que era um dos melhores empregados do seu pai e seu melhor amigo, e pediu que ele levasse consigo Jefté e tentassem atacar por detrás dos lobos; ordenou que mais dois empregados tomassem a outra direção e os pastores tentassem reunir o maior número de ovelhas possível. Ele e Josué ficariam tentando chamar a atenção dos lobos para si, a fim de que os demais pudessem agir. 

As pedras do alforje de Josué acabaram e ele tomou o seu cajado e com ele tentava afastar os lobos que se aproximavam. Numa das tentativas desequilibrou-se e caiu do cavalo. Imediatamente um grupo de lobos o cercou. Mostrando os dentes afiados e rosnando, fechavam o cerco sobre o menino. Este gritou por socorro. 

Ao perceber a situação, Calebe desesperou-se. A vida de Josué dependia dele. Percebeu que um lobo, o maior deles, avançava sobre o menino, preparando-se para atacá-lo. Calebe colocou a mão no alforje e para terror seu, havia somente uma pedra. Colocou-a sobre a funda e orou: “Ó Deus, tenho somente esta pedra e ela precisa ser certeira. Por favor, ajuda-me.” Então, girou sua funda e a pedra cortou o ar, acertando o lobo, no exato momento em que este pulava sobre o garoto. 

Josué colocou o braço sobre seu rosto e sentiu o corpo pesado e quente do lobo caindo sobre ele. Neste momento ouviu o seu nome e um puxão forte em seu manto. Era Jefté, que estendendo a mão colocou-o sobre seu galope. O coração do menino batia forte e descompassado e ele tremia todo. Jefté deixou-o junto aos pastores e voltou ao encontro dos amigos. 

Depois de muito trabalho, conseguiram espantar os lobos. Alguns tombavam mortos pelo campo, bem como algumas ovelhas. 

Calebe desceu do seu cavalo e Josué foi ao seu encontro, dando-lhe um abraço cheio de gratidão. A mente do rapaz dirigiu-se a Deus: “Obrigado, Senhor!” 

Naquela noite, Jacó reuniu seus empregados. Havia um motivo especial para agradecer. Depois de relembrar o cuidado de Deus pelo seu povo, especialmente pela sua família durante todos aqueles anos, tomaram o livro dos Salmos e o hino escolhido foi o Salmo do Pastor. Antes de cantarem, ele recordou: 

_ O rei Davi conheceu muito bem as circunstâncias vividas por vocês no dia de hoje e ele sabia que podia colocar a sua vida nas mãos do Pastor Maior que tudo sabe e tudo vê. 

Josué tomou a sua flauta e passou a tocar a melodia. 

“… E ao andar pelo vale da sombra da morte, não terei medo porque Tu estás comigo e a Tua vara e o Teu cajado me consolam. …” Neste trecho da canção, ele emocionou-se. Havia sentido, especialmente sobre ele, o cuidado e proteção de Deus naquele dia e estava tremendamente grato por isso. 10 11 

Jacó levantou-se e dirigiu ao céu uma bonita e emocionada oração. Deus cuidara dos seus novamente e não havia palavras que pudessem expressar esse agradecimento. 

Todos dirigiram-se em silêncio para as suas moradas. Jacó envolveu Calebe com seu braço e disse: 

_ Estou orgulhoso de você, filho. Você foi muito corajoso. 

Calebe sorriu para seu pai e lembrou-se que depois que tudo acabara, sentara-se numa pedra com as pernas tremendo e o coração acelerado. Fora sem dúvida uma experiência inesquecível. Com certeza lembraria para contá-la a seus filhos. 

Ao chegar em seu quarto, deitou-se em sua cama que ficava ao lado da janela. Olhou para fora e viu a lua clara e brilhante que parecia sorrir-lhe, lembrou-se então, que deveria, ele próprio, agradecer a Deus pelo cuidado e ajuda durante aquele dia. 

_ Senhor, hoje o dia foi muito difícil. Obrigado pela Tua companhia! Se não fosse a Tua ajuda, as coisas teriam sido bem diferentes. É maravilhoso ter um Deus como Tu, que nos dá tanto cuidado e atenção! Amém. 

Neste sentimento de gratidão e paz, adormeceu. 

SUMÁRIO 

  • Uma Experiência Inesquecível 4 
  • Na Cidade 11 
  • Tentativas 19 
  • Enfrentando o Pai 31 
  • A Partida 36 
  • O Que Ficou Pra Trás 41 
  • Prosseguindo Sozinho 45 
  • Expectativa 48 
  • O Que Ficou 63 
  • Uma Preciosa Amizade 68 
  • A Procura de Um Emprego 76 
  • Festa Surpresa 86 
  • Um Convite Perigoso 94 
  • Tempos Difíceis 103 
  • O Dia Seguinte 117 
  • Más Notícias 126 
  • Mudando de Ideia 133 
  • Um Coração Apaziguado 144 
  • Os Negócios na Fazenda 149
  • Amigos e Festas 155 
  • O Casamento 165 
  • Crise 180 
  • A Decisão 196
  • Uma Outra Realidade 198 
  • A Chegada 205